Carolina Maria de Jesus

Foto da escritora Carolina Maria de Jesus

Hoje, 14 de março de 2019, a escritora Carolina Maria de Jesus estaria com 105. Uma mulher negra e mãe solteira que vivia em estado de miséria. Era como catadora de lixo nas ruas que arrecadava alguns trocados insuficientes para alimentar os filhos. O dinheiro ia da mão para a boca e a fome era constante. Era nesse cenário que Carolina escrevia seus diários.

Na década de 1960, o jornalista Audálio Dantas encontra Carolina e seus diários, de onde sai o potente livro ‘Quarto de Despejo’. Em entrevista para a Rede TVT em 2014, Vera Eunice de Jesus Lima, filha de Carolina, explicou o porquê do título.

“(…) Engravidou do meu irmão (…). E aí ela não podia trabalhar mais em casa de família. Como não podia mais, ela estava grávida, então não podia, grávida não podia mais. Como ela não podia trabalhar mais, então ela foi na… ela foi pra rua. Aí ia chegar um político muito importante aqui em São Paulo. Então quando esse político ia chegando aqui em São Paulo, ela… eu não sei se se era o Lucas Nogueira Garcez que ia chegar, ou se ele era o governo naquela época. Ele colocou… todos os pobres num caminhão e jogou lá na favela do Canindé. Por isso o ‘Quarto de despejo’, os despejados.”

Uma vez lançado o livro, Carolina teve o reconhecimento de Clarice Lispector. Por outro lado, recebeu a indiferença e o desdém de outros escritores, que sequer foram ao lançamento.

Esse protesto silencioso mostrou-se um fracasso. Na primeira edição 10.000 exemplares de ‘Quarto de despejo’ foram vendidos em três dias. As tiragens seguintes, totalizando noventa mil exemplares, esgotaram em seis meses. O livro a levou para o topo dos escritores mais vendidos do país, desbancando de Jorge Amado à Jean Paul Sartre.

A relação da sociedade da época com Carolina era tolerada pelo seu perfil ‘exótico’ – a favelada, a catadora de papel, descrevia a miséria de forma crua e, ao mesmo tempo, quase poética. Com a publicação do livro ‘Casa de Alvenaria’ a relação azedou. O livro trazia uma visão crítica e irônica dessa sociedade que não gostou nem um pouco de se ver no papel.

A relação da obra de Carolina com os acadêmicos ainda hoje não evoluiu – ou evoluiu muito pouco. Em uma homenagem feita pela Academia Carioca de Letras para Carolina em 2017, o professor Ivan Cavalcanti Proença disse sem pudores, para espanto dos presentes, que a obra de Carolina não pode ser considerada literatura. Não poderia ter sido mais equivocada sua colocação desqualificadora.

Proença pode pensar o que quiser sobre a obra de Carolina de Jesus (pode até pensar errado), mas a realidade mostra uma escritora que foi traduzida para 13 idiomas, lida em 40 países, e virou tema de prova do Enem.

Fora da academia os críticos à inclusão da obra de Carolina nas escolas alegavam como justificativa o disparate de Carolina escrever errado. Diziam que as crianças aprenderiam errado. Sim, Carolina escrevia errado, registro social. Além do conteúdo relevante pela qualidade estética e pela crítica ao cenário social apontado no trabalho da autora, não se pode esquecer que a língua é dinâmica, está sempre em evolução. Além do registro formal, há o registro das ruas, o regionalismo, o vocabulário específico de diversas cadeiras. A obra de Carolina é um prato cheio para trabalhar linguagem, cultura e diversidade.

Hoje Carolina tem sua obra publicada e reconhecia. Seus livros e sua história são analisados em trabalhos acadêmicos. Sobre ela fizeram biografia, filme e peça. Além de sua obra literária, Carolina também gravou um disco com suas letras.